2.3.15

Como se parte?

♧ Reckless Love ♧

Como se parte?

A viagem até podia estar marcada, porque já estou bem do outro lado, a querer e a precisar que se apresse para recomeçar. Tenho muito para cuidar, já o estou a fazer, sobretudo de mim, tentando manter-me de mente sã, de corpo saudável, com as gavetas arrumadas e com cada coisa no lugar certo. Quando chegar o dia, estarei pronta, tudo o que tinha para fazer já o terá sido e partir já será "pacífico".

Deixei de usar os NUNCA que antes disparava a torto e a direito, agora entendo que podemos mudar sim, que cada dia acarreta desafios novos aos quais precisamos de dar respostas e se partir passou a ser a única, então eu vou.

Já tenho a prole crescida, uma base sólida, que cimentei, a retaguarda assegurada, só preciso de me libertar, eu, de ser tão cuidadora, a que controla tudo, a que quer estar sempre por perto, porque afinal já não faço assim tanta falta, mesmo que o faça sempre. Vou abrir mundos, horizontes, vou proporcionar viagens de mente e alma às pessoas mais importantes da minha vida, e eles estarão comigo até que se juntem a mim, até que os possa voltar a ver dormir, abrindo cada porta e espreitando para que me sinta tranquila e segura.

Vem aí uma etapa totalmente nova, para mim, desde que fui mãe pela primeira vez, não vou estar presente todos os minutos da vida de cada um dos meus filhotes, deixarei de poder vir a correr de cada vez que o telefonema for ansioso, sempre que se tenham esquecido do bolo para a festa da professora, da camisola para a ginástica, do dinheiro para o almoço decidido à última hora. Vão ter que aprender a encaixar a mãe em horários próprios, a usufruir dos momentos com mais intensidade, os que depois lhes conseguir proporcionar, a amarem-me mais com palavras, porque abraçá-los já não será simples, certo, nos dias mais difíceis. Vêm aí dias de puro medo, mas de libertação também, de muitas lágrimas, porque eu estive sempre aqui, deixando-me para trás, abdicando do que era para o serem eles.

Não existem horas certas para libertar os filhos, para os deixar seguir, sobretudo quando não o escolheram eles, mas a vida por cada um.
Não existem tabelas para avaliar o que iremos sentir, de que forma nos conseguiremos encaixar, quando estávamos tão confortáveis já, quando olhávamos e nos víamos, sempre.
Não sei como irão reagir, cada um, mas avizinham-se momentos de escuridão intensa, os mesmos que precisarei eu, uma vez mais, de aclarar, de aligeirar, provando-lhes que a mãe sabe sempre do que fala, o que faz e que no final de cada dia irá fazer sentido.

Não sei como vou partir, mas sei que dores carregarei, que partes de mim se irão desfazer, três vezes, a multiplicar por cada um dos pedaços de vida que eu coloquei, aqui, que me cabia a mim cuidar e que falhei, porque deixei de poder fazê-lo, com garantias de sucesso num futuro próximo, e vou ter que saber viver com isso, todos os dias de cada um que quase galopa já na minha direcção.

Poderão dizer-me que sou apenas mais uma, mas não o sou para os meus, para quem contou comigo sem nunca reclamar, sem nunca os deixar ficar mal. Não o é para a mãe que os amamentou 15 meses cada um, que passou noites inteiras em claro, correndo de cama em cama e velando o sono de cada um. Não o será para a mulher que se transformou quando os segurou no colo e que cresceu em força, capaz de enfrentar quem quer que se pusesse no caminho, para a mulher que tomou decisões bem difíceis e que travou batalhas bem duras, para continuar a chegar a casa, no final de cada dia, com as asas partidas, mas continuando a voar, levando-os sempre, num colo que nunca recusei, mas que agora vou ter que guardar, impedindo-os de se aninharem quando sentirem vontade.

Como se parte afinal, quando a sensação de ter falhado corrói por dentro?

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