Já cheguei a achar que tinhas roubado a minha vida e a minha capacidade de voltar a querer que me quisessem. Já senti que nunca mais me sentiria mulher o bastante para que outro me olhasse e me devolvesse o que me tiraste. Já estive tão só e descrente, que até o coração abandonei à sorte, permitindo que o frio se instalasse e perdesse o melhor do que até já tinha à minha volta. Já me senti em mil pedaços, não sentindo nada do que antes fazia de mim a pessoa para quem outras olhavam, acreditando que poderiam ser como me mostrava.
A verdade é que nunca soubeste nada sobre o amor e acabaste a perder os sons que amaciavam os teus, passando-te o que até conseguiste reconhecer, mas depressa soltaste, largando a única mão que segurou com firmeza a tua. A verdade é que deixei para ti a responsabilidade da nossa felicidade, mesmo percebendo que não estavas pronto para seguir por caminhos sem direções. A verdade é que me mantiveste parada, numa espera que não me sentia capaz de quebrar, mas que terminou assim que o coração voltou a bater.
Já cheguei a querer não voltar a querer mais nada que me trouxesse o que não saberia manter, mas acabei por perceber que nenhum dos males de que padecia eram provocados por mim e mudei de rota. Já cheguei a congelar até os sonhos, mas eles foram voltando, um a um, para me lembrarem de quem sou enquanto sou eu mesma e com eles todos os sorrisos que agora cobrem os meus lábios. Já cheguei a duvidar do que tenho para dar, mas alguém me soprou o que afinal acreditava ser capaz de oferecer e ofereci-me o direito de deixar de ter medo. Já cheguei a abandonar para o vazio o corpo que me reflete, apenas para refletir sobre o desperdício que seria não o trazer de volta e ele voltou, mais forte, mais pronto e muito mais representativo da pessoa que o carrega. Já cheguei ao final de mais uma viagem e por isso fiquei pronta para iniciar a que rasgará a solidão que tive a ousadia de aceitar. Já cheguei ao "meu" lugar e nele estou exatamente como sempre me imaginei a ser.
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