Ensinaram-me, talvez não por palavras, que poderia ser tudo, sendo mulher. Mostraram-me o mundo onde não gostaria de viver se fosse apenas mais uma e por isso mudei-o, mudando-me. Provavelmente não o soube de imediato, mas hoje, muitas décadas depois, percebi que todas as outras foram sendo apenas ensaios para aquilo em que me tornaria.
Viver como era expectável, mas sendo criativa, diferente e cheia de lugares que não poderia mencionar, sob perigo de parecer louca ou desfasada, tornou-se um objetivo, mas igualmente um desafio. Viver de forma intensa, mas apenas por dentro, porque o exterior roubava-me as cores, os sonhos e as habilidades, capacitou-me para o que experiencio ainda hoje. Viver sendo apenas eu, para mim, mas outra para os que precisam de me catalogar para entender, permitiu-me lugares seguros e que domino inteiramente.
Ensinaram-me a recusar o que aparentemente será natural, ou comum, porque nunca me consegui identificar com a pequenez, a falsidade e os automatismos, sendo apenas porque todos o eram. Mostraram-me igualdades tão diferentes das minhas, que passei a ser apenas da minha maneira, mesmo que choque ou perturbe. Tentaram, sem efeito, que seguisse o rebanho e não elevasse demasiado a voz, não fosse ser realmente ouvida, e passei apenas a dizer e a fazer o que me permite sossegar sempre que me avalio e olhem que o faço diariamente.
Ser eu, enquanto me recuso apenas a sê-lo, sem conteúdo ou referências que me diferenciem, continua a dar-me imenso trabalho, afastando os que não sabem de que forma saber quem sou realmente, mas é apenas assim que andar por aqui me faz sentido. Ser eu é naturalmente solitário, até quando finjo estar onde estão uns quantos. Mas ser eu restaura-me todos os sorrisos, mesmo aqueles que ninguém vê.
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