Já não somos dois!
Falávamos muitas vezes das dependências emocionais e do quanto era importante que nos bastássemos, mesmo que fossemos sempre UM quando juntos e o amor que nos envolvia, mas nunca deixando de ser apenas nós quando e enquanto vivíamos a vida que nos cabia. Tínhamos a mesma forma de ver o que estava à nossa volta, os outros e cada sentimento menos ou mais intenso. Sabíamos do que sabia cada um e quando nos amávamos mantínhamos o ritmo que nos passava em forma de prazer. Nunca nada foi difícil entre nós e usávamos os dias para dar a quem estava no mesmo lado da nossa vida, o amor que tornava a relação simples, saudável e possível de continuar. Olhávamo-nos com o mesmo desejo tal como no primeiro dia e nunca desejámos menos do que poderíamos ter. Zangávamo-nos, mas apenas para nos amarmos ainda com mais amor e rapidamente escolhíamos o perdão para sararmos qualquer eventual ferida.
Temos fórmulas mais ou menos testadas sobre como estar e ficar. Acreditamos saber de tudo o que deve ser entendido para que os enganos sejam a cada dia mais raros. Estabelecemos metas e criamos listas mentais ou físicas e vivemos a achar que a vida nunca nos abandonará, mas a verdade é que não sabemos tudo.
Falávamos muitas vezes na necessidade de nunca dependermos um do outro, mesmo que precisássemos desesperadamente de nos pertencer, mas nunca, nem nos pesadelos mais arrepiantes poderíamos ter imaginado a perda do outro e foi a mim que me coube, sem que me fosse dada qualquer possibilidade de escolha, ficar sem ti. Perdi-te, mas não como se perde um amor, um momento ou uma programação mal planeada, perdi-te sem volta e pareço não encontrar forma de voltar a mim. Não nos ensinámos a sobreviver sem a pele que a nossa reconhecia pelo cheiro. Nunca incluímos a possibilidade de já não respirar em conjunto e NUNCA, em nenhum momento achámos ser possível já não voltar a existir a possibilidade de nos amarmos até o dia raiar e o corpo não ter como aguentar.
Já não somos dois e já sinto que sou tão pouco, que nem oiço as palavras que em vão me tentam confortar. Já não quero nada do que em tempos foi tão simples e previsível e até o sabor mais doce me amarga a alma. Já não te tenho e não consigo parar de pensar no que não te dei. Já não existe forma de te recuperar nem ao amor que nos fazia continuar e apenas isso deveria bastar para que também eu morresse, mas o meu corpo recusa abandonar o que sobrou, mesmo que já não tenha sobrado mais nada. Já não somos dois e a tal da identidade deixou de importar, tal como deixou de me importar quanto tempo andarei por mim. Já não somos dois...
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