Estou de volta ao ser que vim "aqui" para viver. Estou mais do que pronta para o perdão que me exigem os que não se reconhecem e apenas deambulam por este mundo, muitas das vezes pisando e escarnecendo dos outros. Estou livre dos sentimentos que me escureciam o coração e impediam de seguir em frente, sendo da importância que mereço. Estou incapaz de me voltar a zangar com quem se esvaziou, algures no tempo que não vi chegar, mas que agora está para ficar e que por isso mesmo escolho perdoar. Estou livre dos que não souberam o que fazer comigo para que fosse feliz. Estou determinada a deixar seguir os que na verdade já há muito não estão comigo. Estou na minha sintonia, sem os pesos que não pretendo carregar e aceitando que alguns nunca serão do meu formato e que jamais conseguirão ver para lá de si mesmos. Estou sarada, leve, preparada para a nova viagem e ansiosa para que comece e me leve, finalmente, para o único lugar onde deverei estar.
Estamos, muitos de nós, demasiado voltados para o que acreditamos ser o certo, sem nos darmos ao trabalho de reavaliar, olhando com atenção para o que somos e fazemos e o quanto isso impacta nos restantes seres que também fazem parte do nosso universo. Estamos, a cada dia, mais voltados para dentro e incapazes de esvaziar todo o lixo que acumulámos. Estamos a poucos centímetros de nos deixarmos totalmente sós.
Vou partilhar convosco um poema de Valerie Cox - O ladrão de bolachas - que com a devida tradução infelizmente se perde na rima, mas que é bem exemplificativo do que vos escrevo:
Uma senhora que aguardava no aeroporto pelo seu voo que estaria ainda por horas, procurou por um livro e comprou um pacote de bolachas, sentando-se ao lado dum senhor bem careca. Foi lendo o livro e comendo das bolachas que estavam no saco entre eles, mas à medida que tirava uma, o senhor fazia o mesmo, sem sequer lhe pedir. "Se não fosse simpática, deixava-lhe com o olho negro", pensava ela do insolente. As bolachas foram sendo comidas, até que chegaram à última, a qual o senhor partiu e dividiu com ela, carregando um sorriso. Agarrou a metade oferecida, bem furiosa e virou costas seguindo para o avião. Quando se sentou, agarrou no saco, ainda de ar carregado e finalmente percebeu que tinha o pacote das suas bolachas intactas. Afinal a ladra das bolachas fora ela, pensou cheia de vergonha, e toda a indelicadeza e desrespeito tinham sido inteiramente suas.
Estou a cada dia mais convicta de que precisamos de começar a olhar mais para a frente, em direcção a outros olhos, aqueles que poderão bem espelhar o que ainda nos falta.
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