Tenho saudades de mim!


Agora são tantos, com tantas opiniões, mas tão poucas que importam, que passei a importar-me cada vez menos!

Tenho saudades do tempo em que vivia para aceitar que me aceitassem, mas sem esforços desmedidos, porque era tão somente eu e no modelo que parecia até encaixar-se. No alto da minha ideia de perfeição, sabia-me imperfeita, mas acreditava que a atingiria um dia. Não vivia para questionar, permitia-me viver, sentindo o calor dos sorrisos que me enfeitavam os lábios de forma quase diária. Tenho saudades de mim, da que não precisava de planear demasiado para concretizar, porque seguia, de forma confiante, por cada uma das estradas que mal conhecia, mas das quais regressava vitoriosa. Os olhares eram benévolos e as palavras mais suaves, mesmo que cheias de todas as questões a que poucos sabiam responder. Tenho saudades de ler os livros que me faziam apaixonar por vidas possíveis, sentindo-lhes o sabor e acreditando que se alguém escrevera sobre o que também queria, então é porque o tivera. As páginas eram devoradas como se o tempo me pudesse eventualmente fugir e nunca suspeitando que o faria eventualmente. Tenho saudades dos elogios que aceitava sem procurar por vírgulas mal colocadas ou por sinalética controversa, porque conseguia ser mais consensual. Tinha a ingenuidade dos jovens e a crença nos que diziam saber do que ainda procurava. Tenho saudades de tudo o que me enfeitava os dias, pedaços pequenos de coisas quase indeléveis, mas que bastavam. Nada era vivido em desespero, o que não tivesse ainda chegado, acabaria a ser meu e nunca me arriscava a duvidar. Tenho saudades de todos quantos me amaram, mas cujos amores desperdicei por ser tão cheia de mim e por achar que muitos outros viriam. Escrevia e recebia as cartas que me mantinham a sonhar e sonhava sem pressas, dando a cada pedaço de vida o tempo e o momento que precisavam para me fazerem crescer. Tenho saudades dos 5 anos, por ter aprendido a ler e por me terem ensinado o poder do que me acompanharia vida fora, as palavras. Brincava com as sílabas sem lhes adicionar pesos desnecessários, até porque não os tinha e porque a minha leveza, pelo tamanho e pouca vida, me permitiam desenhar um mundo à minha medida. Tenho saudades de não sentir saudades de nada, simplesmente porque a única coisa que importava era o que existia, o presente, e o futuro parecia pertencer-me na íntegra. Que saudades de mim, da miúda que a mulher escolheu deixar ir, mas que terá que recuperar, de contrário viverá eternamente de saudades.

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