Talvezaté tenha deixado muito por dizer, mas sei que disse sempre o que me ia dentro. Talvez tenhas ficado menos bem, mas nunca te deixei a sentir o menos importante, ou em segundo lugar, porque estavas sempre em mim, na minha mente, nas recordações que criámos e no desejo de muitas outras. Talvez não te tenha amado sempre como desejavas, mas sinto que te amei como te senti e olha que te senti sempre. Talvez tivessem faltado pequenas coisas, as que não tirei tempo para te dizer e fazer, mas nunca saíste de mim, não desde que passaste a ser mais de metade do que sou e não desde que percebi que poderias ser mesmo tu. Talvez não te soubesse deixar seguro, mas achei que a minha segurança em relação à forma como te amo bastasse. Talvez te parecesse demasiado resolvida, segura e confiante de mim sem ti, mas a verdade é que apenas quero o que posso manter e também é verdade que a minha força é proporcional ao desejo de que fiques, por isso pareço bem mais do que sou. Talvez não tenha dito, vezes que bastassem que te amo e que apenas preciso de precisar de ti para te continuar a amar. Talvez nada do que faça ou deixe de fazer baste e talvez por isso mesmo estejamos assim, um sem o outro...
Cartas, já não as recebemos. Já não nos deixamos ficar com as conversas longas, cheias de adjectivos e palavras que saberíamos tão bem adoçar. Já não nos olhamos para além dos olhares necessários e permanecemos, grande parte do tempo, à espera do que poderíamos receber, se ao menos também fossemos capazes de enviar.
Cartas, sobretudo de amor, de sentimentos que os lábios quase sempre calam. Cartas que se abririam em frenesim, antecipando o prazer de ler cada palavra misturada em todas quantas nos diriam, sem qualquer dúvida, o que representamos na vida de alguém.
Cartas, sobretudo de esperança, a que precisamos de manter dia-a-dia todos os dias da nossa vida, para nunca quereremos, ou sequer vislumbrarmos, um futuro sem remetente nem destinatário.
Cartas como já ninguém parece saber escrever, porque acreditamos cada vez mais, com enorme razão, que as palavras não se retiram e provocam, por vezes, danos irreparáveis.
Cartas que te vou escrevendo mentalmente, mas incapaz de as reproduzir, pelo medo de te assustar com a minha intensidade, e tu até sabes que o sou.
Cartas que ficariam para nos recordarmos, bem lá mais à frente, do quanto fomos capazes de sentir.
Cartas, já quase ninguém as escreve, talvez por isso devêssemos instituir o dia das cartas e quem sabe assim não retomaríamos o hábito de usar as palavras, com todo o poder que carregam...
Quando somos 1, ou seja, apenas nós decidindo o nosso rumo e prosseguindo pelos caminhos que nos fazem mais sentido, nada parece encaixar-se na versão 2.Sermos 2 obriga aajustarmos tudo. O que dizemos, o que pensamos e até o lado para o qual adormecemos não pode nem deve ser igual. Nós connosco é bem mais tranquilo do ponto de vista das decisões. Nós sabemos o que somos e como nos conduzir. Nós gerimos os humores e lavamo-nos com as lágrimas que não precisamos de esconder de ninguém, porque ninguém irá ver, nem sequer perguntar.
O paradoxo do 2.O que pensamos ser a realidade, será talvez a nossa e encaixá-la obriga a alguma ginástica mental. "O silêncio é o melhor discurso"; "O nada é tudo", esta antítese das palavras acaba a existir na vida real, porque por vezes acabamos a dizer uma coisa e a sentir outra completamente diferente.
Como nos poderemos juntar os 2 e conviver de forma mais natural, acertando em cada um dos erros que certamente acabaremos a cometer? Como sabermos unir as fronteiras do 1, não deixando de existir, mas ampliando a existência?
Tantos que acabam a desistir do que até os mudaria para melhor, apenas porque se vêem incapazes de deixar de ser um indivíduo. É esta talvez a nova realidade deste século, mas que é dolorosa quanto real e inevitável...
O amor e a falta dele, transforma-nos para melhor e para pior. Somos o reflexo de tudo o que construímos e do muito que nos faltar, para entendermos que apenas teremos o que formos capazes de doar.