Já o tinha visto antes, cruzamo-nos nos mesmos lugares que frequentamos, no entanto está sempre absorto, tecla o seu ipad, bebe o café com natas que a empregada lhe trás sem que o peça, vai virando distraído, as páginas de uma revista que presumo de especialidade, e não vê nem olha ninguém.
Vou construindo ideias sobre ele, de onde será, a sua profissão, onde será a sua casa, uma vez que o encontro sempre pela manhã...
Já não há dia, se o dia não começar com ele, olhando quem não me viu ainda. Fantasio-o como só as mulheres sabem fazer e sorrio perante a imagem da sua proximidade, do dia em que olhará para mim e em que virá perguntar sobre mim.
Fui resistindo, mas acabei a bombardear a empregada, e ela vomitou tudo, tudinho.
- É um charme de homem, separou-se da mulher porque ela o trocou por outro, ela também é linda, sofisticada, demasiado nariz empinado, mas pronto. É consultor numa multinacional, a empregada do apartamento dele, no 124, vem sempre aqui buscar as chaves, ele conhece bem o patrão, são da mesma terra. Ela diz que a casa é linda de morrer e que cheira a homem.
Ainda tagarelámos uns quantos minutos e ela sorriu perante o meu interesse, como que admitindo que eu deveria investir, tentar, fazer-me notar.
Assim continuei, quase quatro meses, sem vacilar, sem esmorecer, mas julgando que seria totalmente invisível para este homem. Eu que sempre me habituara a virar cabeças, estava a ser ignorada pelo único homem que me interessara desde que o João partira.
- Olá, bom dia, posso sentar-me aqui?
O meu coração quase que parou, a minha boca abriu-se e senti-me tola, infantil... parecia-me bem mais alto.
- Sim, claro, força.
- Julgava que ainda a não teria visto, foi? Isso seria de todo impossível com uma mulher como a...
- Ana, o meu nome é Ana.
- Eu sou o Pedro e acho a Ana uma mulher lindíssima e muito interessante, a quem vou querer
conhecer muito bem.
Ainda existem homens que nos surpreendem, pela positiva, e estou ansiosa pelos desenvolvimentos. Quero perceber se este homem é quem eu fantasiei, se vamos conseguir chegar a algum lado, quero saber como me olhou, como me viu...
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