Sabes que estou bem do teu lado e que penso em ti, nunca te excluindo de nenhuma das minhas rotinas, porque desde que entraste passaste a ser mais um pedaço de mim!
Estarei ao teu lado apoiando cada escolha tua. Todos os percursos que terás que percorrer, mesmo que não sejam ainda do meu lado, mas já no teu alcance, estarei pronta para quando puder fazer parte de cada um. Por vezes, de onde estou, as coisas tomam uma dimensão diferente, mais clara, ou nem tanto assim, porque seremos sempre dois, mesmo que nos consigamos manter próximos e unidos. Caber-nos-à preservar o que conseguimos conquistar, cada pedaço de uma vida algo longa já e usar tudo em favor de ambos, para que os nossos momentos, no presente e no futuro, possam beneficiar de cada viagem.
Não estou contigo agora, mas sei que te faço falta. Sei que me carregas em cada segundo e que todo e qualquer sorriso que te for arrancado, te recordará das gargalhadas que te oferecia e que sempre te despertavam e animavam. Vais olhar cada novo objecto, os lugares que planeaste visitar, as pessoas de movimentos menos familiares, recordando-te de mim, sendo incapaz de me deixar na mala que pousaste quando chegaste ao lugar que nos separou fisicamente. Eu estou aqui, onde me deixaste, a querer-te da mesma maneira a desejar o reencontro que teremos e no qual já não iremos conseguir segurar mais nada.
Mesmo sem a minha voz continuo a falar contigo, nos meus dias mais longos e nos sonhos de onde jamais desapareces. Mesmo sem a minha voz ouves o que digo a mim mesma, que terás que ser tu e que mais ninguém me completa como o fazias. Mesmo sem a minha voz, tu vais continuar a ouvir o que te dizia, porque nunca te recusei palavras envoltas nos sentimentos que fazem de mim a que reconheceste. Mesmo sem a minha voz sei que me continuas a sentir...
O que leva alguém a gostar de nós, a querer-nos e a desejar ter-nos mesmo sem nos ter conhecido?
O coração tem mistérios por desvendar, sintomas que não se diagnosticam, reacções incomuns e mesmo assim continuamos a escutá-lo mais do que à razão. Já te disse que não te quero, que não estás em nenhum dos meus planos, que nunca delineei alguém assim como tu no meu percurso, mas recusas escutar-me e vais-te mantendo alheado da realidade, focado no que não te posso dar, insistindo com o mundo para que algo aconteça e já saber que não vai.
Por vezes quase que me enlouqueces com as ideias que teces de mim, com a tua ideia da minha perfeição, mas se eu o fosse, perfeita, não seria também eu uma alma perdida que procura e espera pelo que poderá nunca chegar? Sou apenas uma mulher que quer e precisa de quem lhe encha as medidas, lhe mate os desejos, alguém que a acolha, a deixe mais preenchida, e esse alguém não és tu. Sou eu que o digo porque me conheço.
Parece que nunca andamos aos pares. Parece que queremos quem nos quer e quem nos quer não nos interessa. Parece que só nos sentimos atraídos por quem não tem forma de nos pertencer. Eu já dei para esse peditório e sei do que estás a padecer, mas tens uma enorme vantagem, é que nunca te vou usar, enganar, ou sequer deixar à espera do que não tenho.
Não és tu, digo eu que sei. Não és tu para mim, mas certamente que serás para quem até bem pode estar à tua espera. Não és tu para mim, talvez porque ande distraída, porque me tenha habituado a olhar para o lado contrário e talvez até me vá arrepender, mas para já, no meu agora, sei que não és tu.
Quando sentes as estacas imponentes, espetadas bem dentro de ti, ensombrando-te uma existência outrora pacífica, transformas-te, sem que te apercebas e permites que te arranquem todos os pedaços que mais tarde te verás incapaz de reaver!
Não saberes de que forma poderás voltar a ser apenas tu mata-te aos poucos, suga-te a alma, o ar e impede-te de raciocinar. O ciúme é uma agressão violenta, demasiado dolorosa para ser aceite como mais uma lição. O ciúme deixa-nos vulneráveis, frágeis e sem identidade. O ciúme é o oposto de tudo o que deveríamos sentir a cada dia, para que nos pudéssemos tornar alguém melhor.
Foi assim com a Ana e ver-se estirada no sofá que parecia espetar-lhe cada osso, recordando o telefonema que fora incapaz de evitar, fazia-a sentir que não haveria forma de continuar, que este estar não estando, lhe iria ser mortífero e que teria de parar de não fazer nada, encolhendo-se de cada vez que se lembrasse, porque lembrar fazia-lhe tão mal.
Os telefonemas eram desculpas, mas o risco que alguém apaixonado corre, para apenas ouvir a voz que lhe sossegará as entranhas, vai-se tornando estupidamente perigoso, sem limites de tempo, de velocidade ou sequer de loucura mais ou menos assumida. Telefonar para quem não poderá atender, recebendo outra voz, ensaiando desculpas às pressa, daquelas que soarão a tudo menos à realidade que se tenta esconder, é absurdo e tão doloroso para quem o faz, como para quem o recebe. Ficam, de ambos os lados, a mastigar uma relação a 3, culpando-se pelas indecisões, pelas mágoas e pelos amores que não parecem estar do lado certo, ou talvez até estejam, mas na dimensão errada.
Ana recordava-se bem do princípio de tudo aquilo. Recordava sobretudo a sua enorme instabilidade emocional, fruto de uma maternidade demasiado intensa. Esquecera-se de ser mulher e quando se olhara, nada do que reflectia quem conhecera antes. Até que... de repente chega uma lufada de ar fresco à vida do marido, uma funcionária nova, cheia de todos os atributos que lhe pareciam agora faltar.
Como se o amor precisasse de outros olhos que não os do coração. Já o dizia a raposa de Saint Exupery, ... "o essencial é invisível para os olhos..."
O essencial será também sabermos quando lutar, ou quando parar, deixando que a vida tome o seu curso, aquele que interrompemos, com ou sem qualquer consciência. O essencial é continuarmos a ser quem reconhecíamos, devolvendo-nos o que outros, algures, conseguiram tirar!
O amor e a falta dele, transforma-nos para melhor e para pior. Somos o reflexo de tudo o que construímos e do muito que nos faltar, para entendermos que apenas teremos o que formos capazes de doar.